segunda-feira, 11 de abril de 2011

“O tic-tac do relógio.”

Na última crônica relatei um pouco o que é ser concurseira e os atuais problemas de desconcentração e desânimo que há semanas tomaram conta de mim, sem trégua.
Hoje vim à biblioteca, imaginando que o ambiente calmo e silencioso, próprio para o estudo, onde tantas vezes estive, pudesse ajudar-me a me concentrar.
Pobre de mim! Demorei uma hora para ler uma página de um livro que, provavelmente, nem conseguirei fixar na memória. Em outros tempos, uma hora de leitura rendia, pelo menos, vinte páginas!
Ouço o tic-tac do relógio, tosses, passos e conversas sussurradas dos que estão à minha volta.
Mas, concentração que é bom, resolveu não dar o ar da graça.
A culpa, por outro lado, desabou sobre mim e os questionamentos sobre meu futuro profissional martelam minha mente.
Manhã inútil, improdutiva e mentalmente desgastante!
O que fazer? Tirar férias e dar um tempo? Ir para um retiro espiritual em busca de paz? Fazer terapia? Insistir? Ou desistir de vez?
No momento, só me resta esperar, impacientemente, o relógio bater o meio-dia e ir para casa almoçar. E também chorar...
Tic-tac, tic-tac, tic-tac...
11/04/11

terça-feira, 5 de abril de 2011

“E agora, José?”

Sou concurseira.
Palavra feia que deveria significar, na raiz, sacrifício.
E sofrimento, com pitada de cansaço e toneladas de autocobrança.
Ser concurseira é debruçar-se sobre livros, incessantemente, sem descanso, sem dia santo ou feriado, sem vida social (ou familiar), por horas e horas diárias. Em resumo: é não ter vida.
O objetivo maior é alcançar um lugar ao sol no serviço público. Também estabilidade e dinheiro, é óbvio.
Nesse tempo em que venho me dedicando exclusivamente aos estudos, tive altos e baixos, quanto aos aspectos de dedicação, ânimo, disciplina e esperança.
Há semanas em que o estudo rende e então a esperança de passar me arrebata.
Há outras, porém, em que a concentração insiste em me deixar na mão e com ela se vão a disciplina e o ânimo para alcançar meu sonho profissional.
Já pensei que sou burra porque não passo, acreditei que simplesmente não sou boa em resolver provas, fiquei deprimida por isso e por tudo o mais, repeti que talvez eu sonhe alto demais, quis largar tudo e voltar a trabalhar, nem que fosse de garçonete.
Quando, conscientemente, deixei o emprego e decidi estudar, não imaginei que fosse ser tão difícil. Decisão que exigiu tanto de mim e comprometeu tantas coisas à minha volta!
Acreditei, na verdade, que, por ter sido boa aluna e cursado boas faculdade e pós-graduação, somado ao gosto que sempre nutri pelo estudo, cumpriria rapidamente minha meta.
Não tem sido bem assim...
A vida de concurseira é ingrata.
Mas meu maior inimigo sou eu mesma. Eu me cobro, culpo e deprimo.
E assim a perseverança voa para longe, tão longe, que nem sei se consigo pegá-la... Junto dela, me parece, vai o cargo que tanto almejo...
E aí, o que fazer da vida?
Mudar os planos totalmente? Mas como fica o sonho profissional?
Insistir nos concursos? E qual a fórmula para manter força e concentração?
Tentar outra coisa que vá me apetecer? Aí fala meu lado aventureiro, aquele que sofre de “insatisfação constante”, sobre o qual comentei em outra oportunidade.
Assumir o lado dona-de-casa e passar a vida cuidando de mim e dos meus, da casa, do físico, da alimentação, da leitura, do cinema, da minha escrita?
- “E agora, José?”
- Diga-me você, Drummond.

P.S.: E assim escreveu Carlos Drummond de Andrade:

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

05/04/11