sexta-feira, 22 de outubro de 2010

“Não há silêncio que não termine.”

Título melhor para a crônica não consegui encontrar que faça jus à história que li. “Não há silêncio que não termine” é o título do livro de Ingrid Betancourt, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
Na obra, Ingrid narra em detalhes os seis anos e meio em que permaneceu na selva colombiana, refém das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas – FARC, grupo guerrilheiro, financiado principalmente pelo narcotráfico, que há décadas impõe o terror no país.
Tudo isso, diga-se de passagem, tolerado por governo após governo, que afirma não ter condições suficientes para enfrentar o que as FARC – inicialmente criada pelos camponeses fartos dos abusos e violências implementados pelos partidos políticos rivais do país – representam.
Em plena campanha eleitoral à Presidência da República, Ingrid, cientista política, graduada em universidade de Paris, casada e mãe de dois filhos ainda adolescentes, filha de diplomata, cheia de cultura e inteligência e acostumada à vida confortável, foi sequestrada em 2002. Liberdade, só reencontrou em 2008.
A narrativa de Ingrid relata provações de todos os níveis, humilhações, torturas físicas e morais, fome, doenças várias (que quase a levaram à morte), condições degradantes e desumanas de sobrevivência por que passou juntamente com seus companheiros de cativeiro.
Mostra, ainda, a organização das FARC, a hierarquia obedecida cegamente pelos guerrilheiros, as histórias de alguns deles e, especialmente, as relações difíceis e deterioradas a cada dia com os comandantes de cada acampamento em que viveu.
Ora emocionada, ora raivosa, ora divagando, ora lúcida, às vezes crente em Deus, às vezes achando-se destinatária da pior sorte, Ingrid conta também os problemas de relacionamento entre os próprios sequestrados, os sentimentos de inveja e mesquinharia, mas também de afeto profundo e, sem manifestar explicitamente, histórias de amor vividas por ela.
Além de tudo isso, narra a saudade da família, as lembranças dos momentos anteriores vividos em liberdade e o apego aos programas de rádio, instrumento único e possível de proximidade com os familiares.
“Não há silêncio que não termine” mostra uma Ingrid acorrentada a árvores e proibida de falar com seus companheiros.
No dia em que comprei o livro, coincidentemente, assisti na televisão a uma entrevista de Ingrid. Achei-a mulher serena, sofrida, de personalidade forte, com ideias quase utópicas para a Colômbia. País que, dizem as matérias jornalísticas, ela abandonou. No meu entender, com absoluta razão.
Nesses dias todos debruçada sobre o livro, tive a curiosidade de pesquisar sobre Ingrid. Impressionou-me como há pessoas que a criticam severamente, tanto no que diz respeito a sua personalidade dita arrogante, a sua postura política radical, como aos seus relacionamentos amorosos – que, é bom sempre lembrar, não dizem respeito a ninguém.
Não me importei.
Pode ser que Ingrid tenha feito relatos floreados, até mentirosos, ou tenha omitido fatos comprometedores.
Mas, gostei muitíssimo do livro, da forma detalhada em que foram expostas as histórias e a cronologia não muito exata dos fatos. Senti suas agonias, felicitei-me por suas poucas conquistas em cativeiro, suspirei por imaginar as histórias de amor provavelmente vividas e derramei lágrimas – sim, derramei mesmo – por tudo que ela viveu.
Pode ser que esses sentimentos aflorados em mim devam-se à solidariedade feminina. Natural.
Mas não dá para não me penalizar com as agruras de Ingrid e nem deixar de tirar-lhe o chapéu por ter sobrevivido, apesar de tudo.
22/10/10

sábado, 16 de outubro de 2010

“Envelhecer sim, mas com dignidade.”

Em menos de uma semana tive duas demonstrações escancaradas de que não tenho mais vinte anos.
Tenho trinta e quatro e a idade começa a pesar. Não é só a imagem que vejo no espelho, mas também a imagem que os outros têm de mim.
A primeira aconteceu no voo Brasília/Rio de Janeiro em que duas jovens, de não mais que vinte anos de idade, embarcaram às sete da manhã, vindas diretamente da noitada, ainda com as vestes negras da noite e completamente bêbadas.
E como tapas com luva de pelica sentaram-se ao meu lado. Passei a viagem reparando nas roupas impecáveis, nos sapatos e bolsas deslumbrantes, nos cabelos sedosos e sentindo o cheiro forte de álcool. Elas dormiram, quase em coma, a viagem inteira e nem se dignaram a passar mal.
Já fui assim um dia. Já aguentei bravamente uma noitada, seguida de aula na faculdade e emendada em estágio. E sem descer dos saltos ou colocar as tripas para fora.
Ai de mim se me aventurar a isso nos dias de hoje... Ficaria uma semana de cama, à base de sonrisal e com olheiras profundas.
Passei a semana a ruminar que a idade vem chegando, calmamente, sem aviso e de repente, não mais que de repente, as pelancas caem, as rugas riscam o rosto, o cansaço vira companheiro inseparável e a resistência ao álcool fica bem a desejar.
Como que aviso divino ou travessura do capeta, hoje tive mais uma demonstração do inevitável: a idade que chega. Na aula da pós-graduação, já atrasada – é claro e provavelmente de propósito – adentra a sala uma colega de vinte e poucos anos, bonita, magérrima e de cabelos escorridos, trajando um micro vestido justo nude, de calcinhas fio dental – sim, a marca era visível – sobre saltos quinze – sim, não é mentira.
Tudo parou: o professor de falar, os homens de respirar e as mulheres de escrever.
Em questão de segundos me senti a velha caída que não atrai mais nem gripe nessa vida...
Por sorte, abençoada que sou, não mais preciso "ir à caça"...
E se precisasse? Como competir com o frescor de uma garota de vinte anos?
Por culpa de Balzac, a mulher de trinta anos é quase avó. Apesar de gostar do livro, nunca me enquadrei na descrição do autor, nem poderia, já que o livro é da época do Romantismo.
Chegar à idade balzaquiana foi para mim grande satisfação, como se chegasse ao auge de minha vida.
Mas confesso que há uma semana e novamente hoje, senti o peso dos meus trinta e poucos anos. O corpo não é o mesmo, o vigor tampouco.
O que resta, então?
Restam tantas coisas que nem caberia enumerar aqui. Mas, em resumo, há experiência, maturidade e dignidade.
Experiência por tudo que vivi, os bons e maus momentos, que criaram em mim uma casca quase inabalável.
Maturidade para saber e buscar acima de tudo o que desejo, às vezes até sem pudor. Mas e daí?
E dignidade por olhar-me no espelho e perceber que tudo acontece no momento certo e não dá para querer voltar no tempo ou viver o que não mais me pertence.
Confesso que vou dormir com um aperto no peito por perceber que lutar contra a velhice é batalha perdida. O certo é conformar-se.
É melhor envelhecer sim, mas com dignidade.
15/10/10

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

“Viver é ler.”

Crônicas atrás escrevi sobre cinema, a sétima arte, uma de minhas paixões.
Aventuro-me agora pelos encantos da literatura, também arte, mas a maior e melhor delas.
Não consigo vislumbrar minha vida sem a companhia dos livros.
Nem minha mesa de cabeceira consigo imaginar sem livros.
Mala de viagem sem livros? Impossível!
Ócio sem livros? Não existe!
Vida atarefada sem livros? Como sobreviver a ela?!
Vinho sem livros, café sem livros, aeroporto sem livros, sesta sem livros, preguiça de sábado sem livros, casamento sem livros, viagem sem livros, doença sem livros, sala de espera sem livros, infância sem livros, vida adulta sem livros, chuva sem livros, sol sem livros, férias sem livros, solidão sem livros... Tudo isso aí sem livros é inimaginável, quase insuportável!
Raquel, sem livros, não existiria...
Lancei-me, então, um desafio: listar apenas dez livros, os melhores que já li.
É claro que a memória falha, a lembrança falha. Quem dera lembrar de tudo que li, desde os meus sete anos até os dias de hoje.
É óbvio que, ao listar, tive que fazer escolhas e deixar vários livros maravilhosos de lado. Perdoem-me os autores e os leitores.
Segue, então, a lista:
1 – Travessuras de uma menina má (Mario Vargas Llosa)
2 – Dom Casmurro (Machado de Assis)
3 – Quincas Borba (Machado de Assis)
4 – Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
5 – Madame Bovary (Gustave Flaubert)
6 – A Casa dos espíritos (Isabel Allende)
7 – Crime e castigo (Fiódor Dostoiévski)
8 – Precisamos falar sobre o Kevin (Lionel Shriver)
9 – Memórias de minhas putas tristes (Gabriel Garcia Marques)
10 – A metamorfose (Franz Kafka)
Como na crônica do cinema, convido a todos a completar a lista.
13/10//10