Sou concurseira.
Palavra feia que deveria significar, na raiz, sacrifício.
E sofrimento, com pitada de cansaço e toneladas de autocobrança.
Ser concurseira é debruçar-se sobre livros, incessantemente, sem descanso, sem dia santo ou feriado, sem vida social (ou familiar), por horas e horas diárias. Em resumo: é não ter vida.
O objetivo maior é alcançar um lugar ao sol no serviço público. Também estabilidade e dinheiro, é óbvio.
Nesse tempo em que venho me dedicando exclusivamente aos estudos, tive altos e baixos, quanto aos aspectos de dedicação, ânimo, disciplina e esperança.
Há semanas em que o estudo rende e então a esperança de passar me arrebata.
Há outras, porém, em que a concentração insiste em me deixar na mão e com ela se vão a disciplina e o ânimo para alcançar meu sonho profissional.
Já pensei que sou burra porque não passo, acreditei que simplesmente não sou boa em resolver provas, fiquei deprimida por isso e por tudo o mais, repeti que talvez eu sonhe alto demais, quis largar tudo e voltar a trabalhar, nem que fosse de garçonete.
Quando, conscientemente, deixei o emprego e decidi estudar, não imaginei que fosse ser tão difícil. Decisão que exigiu tanto de mim e comprometeu tantas coisas à minha volta!
Acreditei, na verdade, que, por ter sido boa aluna e cursado boas faculdade e pós-graduação, somado ao gosto que sempre nutri pelo estudo, cumpriria rapidamente minha meta.
Não tem sido bem assim...
A vida de concurseira é ingrata.
Mas meu maior inimigo sou eu mesma. Eu me cobro, culpo e deprimo.
E assim a perseverança voa para longe, tão longe, que nem sei se consigo pegá-la... Junto dela, me parece, vai o cargo que tanto almejo...
E aí, o que fazer da vida?
Mudar os planos totalmente? Mas como fica o sonho profissional?
Insistir nos concursos? E qual a fórmula para manter força e concentração?
Tentar outra coisa que vá me apetecer? Aí fala meu lado aventureiro, aquele que sofre de “insatisfação constante”, sobre o qual comentei em outra oportunidade.
Assumir o lado dona-de-casa e passar a vida cuidando de mim e dos meus, da casa, do físico, da alimentação, da leitura, do cinema, da minha escrita?
- “E agora, José?”
- Diga-me você, Drummond.
P.S.: E assim escreveu Carlos Drummond de Andrade:
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
05/04/11
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Por favor, não se entregue aos afazeres de uma dona de casa apenas. Ainda não é tarde para recomeçar...
ResponderExcluirEu sei, eu sei...
ResponderExcluirFoi só um desabafo de quem está realmente cansada...
Obrigada, viu?
Beijosssss
Veja meu comentário na crônica seguinte. Beijos!
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